sexta-feira, setembro 29, 2006

 

 

dois anos e oito meses

foto: Cuze


Um blog é o espelho do seu próprio autor.
Este blog não foge à regra, e tal como o seu autor... é inconstante, desregrado e pouco dado a periodicidades rigorosas. Talvez por isso não se pode dizer que tenha tido, nos seus dois anos e oito meses de existência - oito meses no Sapo e os dois ultimos anos no Blogspot, um sucesso arrasador. Aliás, está bem longe disso.

No entanto, nestes dois anos e oito meses de existência, o saldo tem-se cotado como positivo e tanto assim é que continua vivo e para durar. Existem épocas de maior veia criativa, existem épocas de total ausência de textos... é assim a vida de um blog de um só autor. O espelho de si próprio e das suas peripécias. Desde o inicio deste blog, muita coisa mudou no mundo... e especialmente em mim, o autor. Este que está sentado em frente ao monitor escrevendo estas palavras, não é propriamente o mesmo que escreveu as primeiras letras do primeiro post do SSD no dia 2 de Fevereiro de 2004. O daqueles tempos era descomprometido, o de hoje é comprometido e mais feliz do que nunca... o daqueles dias raramente surfava, o de hoje pode surfar mais vezes... o daqueles dias tinha uma 6'3", o de hoje tem uma 7'6"... o daqueles dias tinha um VW Polo vermelho de 93, o de hoje tem um Fiat Punto comercial preto de 97... o daqueles tempos estava no inicio da sua vida académica, o de hoje prepara-se para ser engenheiro... Enfim, muito a minha vida mudou e este blog acompanhou algumas dessas mudanças, reflectidas em palavras neste mesmo espaço.

Olhando para trás, observo com prazer duas situações que relevo com especial interesse: a citação na revista feminina de surf Magnolia e a convicção de que este é um dos mais antigos blogs de surf nacionais. Esta última, e sem ser rigoroso, é no entanto facil de perceber se se tiver em conta que no inicio - há dois anos e oito meses - dificilmente encontraria um blog que falasse de surf (existiam o Ondas e poucos mais). Hoje, passado todo este tempo, sorrio ao ver que na blogosfera proliferam bastantes mais blogs de surf, sejam na sua vertente mais literária, sejam na sua vertente mais fotográfica. Foi isso que constatei ainda hoje onde em poucos minutos fiquei a conhecer mais uns 4 blogs de surf...

Num fenómeno tão recente como é a blogosfera, ter quase três anos, para blog é algo de assinalar, perdoem-me a imodéstia. E ser um dos primeiros a falar de surf, é sem dúvida um orgulho!

sábado, setembro 23, 2006

 

 

Dualidade




Surfar é uma experiência predominantemente individual e intimista!

Resveste-se essencialmente de uma dimensão pessoal. Partilhar é uma palavra que em primeira instância tem pouco significado no vocabulário do surfista. É uma palavra que dentro de água apenas é entendida na sua relação com o mundo etéreo a que chamamos Natureza... ou apenas Mar para alguns.

A Natureza, ou o Mar aos quais habitualmente não resistimos à tentação de lhes atribuir condição humana, é passivel de um acto de partilha. Facto este, que não deita por terra toda a dimensão pessoal do acto de surfar. Pelo contrário, reforça a ideia de uma actividade que de tão individual e solitária, mas que resulta de uma interacção entre uma das mais brutais e poderosas forças da natureza - o mar - tem a necessidade de ser contrabalançada nos seus medos e temores por uma entidade que reduza essa temivel força do oceano à simples condição de nós próprios - a condição humana.

Mas o surfista é egoista. Elimina qualquer gesto de partilha, que não seja entre si e o Mar. Torna-se ciumento na abordagem alheia às "suas" ondas. É como um instinto animal primitivo ainda reinante no intelecto humano e que facilmente descamba em violência, sendo o localismo um dos mais mediáticos resultados deste comportamento. É porém, uma notável reacção apaixonada, quente e irracional, produto de sentimentos, sensações e emoções muito próximas da paixão, do amor - alguém gosta de partilhar com outrém a volupia da sua mulher? - e que nos torna por isso também incrivelmente humanos, ao invés de estéreis e frios robots de carne e osso.

Ainda assim, o homem que corre ondas, é antes de mais um Homem... com todos os seus instindos e impulsos, mas também com toda a sua racionalidade, personalidade e moral. É nesta dualidade que se observa a beleza da vida, e em especial da vida do ser humano que corre ondas. O surfista, terá então, de observar a sua interacção com o mar, como uma pequena parte de um todo. Um cosmos infinitamente superior à condição humana, que se dispõe no universo de todas as concepções hedonisticas do ser humano, e dessa forma lhes permite a sua concretização material. O mar, esse cosmos infinitamente grande, é propriedade de ninguém e de todos, nas suas mais variadas noções de prazer fisico e espiritual representadas e materializadas pelo ser humano.

Desta forma, a personificação do mar transforma-se num mero capricho tão individualista como o próprio acto de surfar na mente consciente do surfista. Também o egoísmo com que este encara a partilha de sensações entre si e o mar deixa de fazer sentido... não só porque o mar pertence a todos e a ninguém, mas também porque no acto de surfar, acaba por não existir qualquer experiência de partilha, pois o mar não é pessoal nem tão pouco tem condição humana, não podendo por isso usufruir de qualquer sensação de troca com o próprio Homem.

Em suma, o surfista interage com o mar. Recebe sensações e emoções em troca de nada, porque o mar não precisa de nada do surfista. O mar sempre lá estará calmo e sereno umas vezes, revolto e temivel noutras, mas eterno e imutável aos olhos do Homem.
É assim uma interacção entre algo infinitamente pequeno e algo infinitamente grande, onde o ser humano funde a sua aura nas energias cósmicas do oceano, absorvendo o prazer e o bem estar que essa fusão de energias positivas proporciona no Homem. É na sua essência uma experiência pessoal e intransmissivel... mas na sua condição, passivel de partilha com outros. Ninguém partilha uma onda nem a sensação que esta lhe reserva, mas é de todo impossivel o usufruto exclusivo do oceano e todas as suas ondas, a partilha das energias do oceano com outros será sempre o antagonismo da solidão.

E no fundo, ninguém surfa sozinho por prazer (salvo condições muito especiais). Todos gostamos de estar acompanhados no mar. Todos gostamos de ver a nossa evolução aos olhos dos nossos companheiros de surfada, e das suas dicas. Todos vibramos com as suas ondas. E também eles vibram com as nossas, à medida que sorrimos por saber isso mesmo. Por vezes até partilhamos uma onda com os nossos amigos (muito raro!!!). Tudo se resume a uma cadeia de emoções que resultam numa permutação constante de energias positivas que une cada um ao seu semelhante.
Tornamo-nos claramente melhores surfistas, técnica e espiritualmente, quando surfamos acompanhados e interagimos dentro e fora de água com outros surfistas. É assim que o surf, através da sua dualidade harmoniosa entre o individualismo do acto versus a interactividade na condição de surfista, se torna na minha opinião, na mais bela e genuina forma de interacção com o que nos rodeia - especialmente com a hidrosfera e a bioesfera! É natural assim, que mais do que um desporto, o surf seja encarado como um verdadeiro lifestyle.


segunda-feira, setembro 04, 2006

 

 

Amor e Paixão.

foto by Cuze

O seu coração um dia sentiu a nortada salgada que sempre assola as terras do mar. Absorveu o mais nobre dos condimentos para nunca mais o largar, qual campo salgado onde não mais nada cresce. Mas neste caso, o exemplo é paradoxal... o sal no seu coração significou o nascimento, a génese... o começo de uma nova etapa numa curta vida. Uma porta para os horizontes azuis deste mundo. A caminhada em direcção ao pôr do sol, sob um manto azul e salgado chamado oceano.

Foi esse o dia em que o menino da terra se alimentou do mar, e do sal que nele inscreve a sua identidade sagrada. Foi nesse dia que o mar rompeu a terra e chegou aos confins da interioridade.

Mais tarde, o mar mostrou ao menino a sua mais bela expressão de vida - a onda! O sal em seu coração disse-lhe imediatamente que, como menino do mar, aquela onda pedia para ser possuida, domada... Para o menino, a terra sempre fora um corpo estranho, o mar pelo contrário sempre se apresentara como um ambiente mais familiar. E nesse dia o menino alimentou-se pela primeira vez das ondas... mas rapidamente percebeu que seria mais dificil do que parecia, afinal domar uma onda não era o mesmo que cavar a terra.
O menino ficara apaixonado... e nunca mais largaria esta nova forma de amar o mar.

foto by Cuze

Tempos mais tarde, o menino que sempre vivera nos confins da terra seca, nela plantou o seu coração salgado. O menino nunca pensou que ali, naquele sitio estéril o seu coração salgado pudesse de alguma forma enraizar. Mas o menino, cedo perceberia que a vida não tem caminhos certos e objectivos. A vida transforma cada passo de um ser, numa caminhada impregnada de experiências e sensações inigualáveis, os imponderáveis da vida, exprimem-se assim nessas experiências... os sentimentos, nascem e morrem, a cada trilho que se nos depara...

E o menino provou um novo sentimento... quando no seu coração salgado de paixão pelo mar, uma flor se enraiza prendendo parte dele para sempre à terra sem fim. O que inicialmente seria uma simples semente sem hipoteses num mundo salgado, vence as probabilidades e firma as suas raizes fortes no coração do menino. No seu peito, o menino viu nascer a mais bela flor que alguma vez vira. Bela, imponente, grandiosa. O seu perfume rivalizava com o aroma da maresia, a sua beleza com o azul do oceano... a volupia das suas formas, com as curvas perfeitas de uma onda. Aquela flôr passara a fazer parte de si. Nesse dia, o menino conheceu o Amor.

E assim o menino sorriu. De coração salgado, uma parte do mar em sua alma e as ondas em seus pés. A Paixão. Com uma bela flôr enraizada em seu coração, fruto das maravilhas de uma terra de sequeiro, a flôr que lhe roubou o coração para sempre e a quem ele sempre prestará uma sentida homenagem... o seu Amor!

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