sábado, outubro 23, 2004

 

 

Wahine


wahine Posted by Hello

O mar, este oceano que a quase todos nós nos fascina, é algo de muito belo, é um sítio onde nos sentimos bem, onde as nossas experiências diárias parecem não reflectir o seu amargo sabor, quando o dia nos corre mal, ou quando em determinada fase de nossas vidas, esse caminho é demasiado rico em espinhos e armadilhas. Então, olhamos o mar, algo belo, aquele perfume de maresia, aquela tela que os nossos olhos pintam a cada raio de luminescência, que se reflecte naquela superficie cristalina, aquela beleza de um quadro dinâmico, com movimento, as ondas, as gaivotas, a paisagem, o horizonte azul, aquele por do sol em tons amarelados. Este mar, a cada onda que simplifica a sua complexidade, e ainda lhe dá mais beleza, torna-se cada vez mais belo, mais sensual, mais alegre, cada vez que lá ao fundo, se observa aquele vulto negro, indecifrável ao pormenor, mas explicito nas linhas femininas, que em cima de uma prancha de surf, progride na sua libertadora função de partilhar o seu corpo com a natureza, através de uma onda, de um pedaço de mar.



Desde o inicio dos anos 90 que se tem assistido a um aumento progressivo e massivo, do número de surfistas femininas. É de saudar este inegável progresso neste desporto/arte/estilo de vida, que não tem na sua alma, qualquer espécie de exclusividade dada ao sexo masculino. O surf é uma experiência individual, pura, libertadora, não há lugar ao trabalho de equipa, cada um de nós sente cada onda que faz, de forma diferente, e sempre distinta do vizinho do lado. Por isso o surf é uma actividade perigosa, nem tanto pelos perigos que o mar nos oferece, mas muitas vezes pela excessiva testosterona dentro de água, que descamba muitas vezes em "luta de galos". Por isso, mulheres ou como se diz em hawaiiano wahine, dentro de água tornam-se uma espécie de lufada de ar fresco para esta actividade, e aqui na sua vertente mais desportiva e competitiva, que se confunde demasiadas vezes, com atitudes de egoísmo, violência, orgulho, manifestações inequívocas de alguns pseudo ego-stars, alimentados por toda a adrenalina que uma onda provoca.



Ainda há pouco tempo, no site Atitude Surf, li um relato de uma viagem à Costa Rica, onde, se relata que, a relação homens/mulheres dentro de água, é de 50/50. Pois, é num sitio destes que eu gostaria de estar, por razões óbvias - boas ondas, clima quente, praias paradísiacas e claro está, tanta rapariga dentro de água (e fora!)! Lembro-me também dos meus primeiros tempos de surf, onde em Lagos, uma míuda, por sinal da minha idade ou pouco mais velha, numa das extremidades da praia, era a minha única companheira de aprendizagem. Ali estávamos ambos aprendendo, estando ela numa fase mais adiantada, e eu ali, preocupado com o meu surf, mas dando sempre uma espreitadela fugaz ao surf dela, onde aquele corpo feminino e de biquini, ainda meio desageitado em cima da prancha, já libertava doses elevadas de sensualidade, e tornava aquele mar azul ainda mais belo, mais docil, e muito menos agressivo.



Por isso, um corpo feminino dentro e fora de água, proporciona ao surf, uma beleza que o torna um pouco menos individual, que o transforma também numa forma de arte ainda mais bela, dá-lhe aquela estética, aquela aura mais brilhante. Todos agradecemos porque se o sentimento interior do surf é inalterável em si, individual e instransmissivel na sua essência, a sua estética, o seu exterior, não o sentimento inerente a cada drope ou a cada rasgada, mas antes a maneira como olhamos o surf, o sentimento que nos desperta todo o quadro que observamos e que se chama Surf, isso é algo que é mutável, está em constante evolução. E como em tudo o que adoramos, queremos que essa mutação seja positiva, e a beleza que uma mulher empresta ao acto de surfar, ao mar, à praia, etc, a atitude positiva que uma mulher pode trazer, tanto às do seu sexo, como ao sexo oposto, dentro de água; tudo isso é de louvar, não de criticar, e não me resumo apenas e só à beleza física que uma mulher pode doar a tudo o que chamamos surf, refiro-me também a toda a beleza espiritual, à enorme sensibilidade que este ser chamado mulher tem para oferecer ao nosso desporto/arte/estilo de vida. E é esse mesmo o legado mais importante, principalmente para as gerações vindouras.



Mais respeito e maior beleza dentro de água, é o que as mulheres podem dar ao surf. Todos ficamos felizes porque isso é evolução.


domingo, outubro 10, 2004

 

 

...um intervalo na Vida...



Era sufocante a chuva que me caía em cima. Cada gota, trazia em si o sentimento de uma nuvem, abatia-se sobre mim, a infima parte do omnipresente espirito da Natureza. O meu corpo, expelia o calor, um leve fumegar desprendia-se de mim, parecia estar-me a vaporizar, minha alma deixando o meu corpo a pouco e pouco. Envolto em água, o mar, a chuva que caía, a experiencia transcendente de duas forças com o mesmo denominador comum: a Água. Provava o sal e doce sabor deste mesmo elemento, a vida liquida, salgada, doce... Esperava, sentado em cima da minha prancha, por uma manifestação caótica de perfeição, desenhada naquele mar que me cercava.

Lá longe observo, aproximando-se de mim, uma longa linha, um testemunho da fúria de uma tempestade longinqua, uma onda, percorrera milhares de quilómetros para, a toda a velocidade se aproximar de mim, ali sentado, à sua espera, banhado por um misto de água salgada, e robustas gotas de água doce que se precipitavam sobre mim, indiferentes ao suspiro de um ser. Nuvens densas, cinzentas, sem uma ponta de alegria, um dia chuvoso era tudo o que conseguia discernir ao olhar à minha volta. Mas olhando o horizonte, via aquela onda aproximar-se...

Estava sentado, mudo de posição, barriga contra a prancha, cabeça levantada. Começo a mudar de direcção, de modo a colocar-me perpendicularmente àquela linha formada pela onda. Tomo consciência do seu tamanho, hesito...era enorme, conservava provavelmente o maior sopro de vento daquela tempestade algures na Terra Nova. Não podia desistir, tinha de domá-la, remo com todas as forças, a sua crista encrespa e eu lá no topo olho para baixo. Parecia no topo de um prédio, seria crítico, o take-off. Dropo, a toda a velocidade desço aquela parede, uma velocidade vertiginosa... mas, a eternidade invade aquele segundo em que o nada se apodera daquele espaço. Sou engolido. A onda envolve-me, um abraço mortal, o turbilhão caótico que me suga, apodera-se do meu corpo, da minha respiração, dos meus movimentos angustiantes, e rapidamente da minha vida.

O meu corpo parecia desintegrar-se a cada violento safanão, cada molécula parecia querer desprender-se da sua vizinha, meu corpo rodava, abanava, gravidade zero, a noção de tempo e espaço deixaram de existir, não sabia que posição o meu corpo ocupava, em relação à Terra, parecia no entanto estar no fim da linha, daquela linha que todos temos desenhada na mão, aquela a que chamam Linha da Vida...

Um silêncio, a escuridão apodera-se de tudo, sinto-me no fundo, empurrado pela força da onda, a calma começa a reinar, lá no fundo onde o breu é medonho. Tudo se desenvolve numa lentidão, o meu corpo parece leve, muito leve, paradoxalmente pareço cada vez mais afundado naquele oceano. A calma mistura-se com a angustia, o silêncio parece misturar-se com um ruído indecifrável, uma dimensão povoada de antíteses. O meu corpo parece cansado, e as forças abandonam-no, deixando de lutar...

Meus braços, sem força, deixam-se levar pelo atrito do fluído enquanto meu corpo desce, desce lentamente... mas... vindo do nada, sinto algo que me segura e puxa de novo para cima, um braço, uma mão que encaixa na minha e me sobe, retornando meu corpo inerte, de novo à superfície vital. A jornada até ao topo parece longa, a escuridão, o silêncio e a calma parecem, progressivamente desaparecer, e o mundo dinâmico e ruidoso reaparece diante da minha percepção. Minha cabeça inrompe repentinamente, perturbando aquela supeficie liquida regular. Olho para a minha prancha, ao meu lado, apenas metade dela persistia ali, fiel para que me pudesse auxiliar. Agarrei-me a ela, exausto. Olho em volta tentando descortinar aquele ou aquela a quem ficaria em dívida para o resto da minha vida, mas nada nem ninguém vislumbro. Aquele espaço estava igual... vazio, sem mais nenhuma alma, além da minha.

Fico perturbado. No entanto feliz. Olho em volta, deixara de chover, a minha respiração estava ofegante como nunca estivera, olho o horizonte, e naquele cinzento denso, uma aberta se havia formado e dela inrompiam raios de luz provenientes do sol outrora escondido, iluminando uma vasta área lá bem longe, até onde meus olhos alcançavam. Por momentos pareço sentir que algo subsiste a meu lado, uma companhia, uma presença, então um arrepio me invade, olho a minha mão...

...a Linha da Vida, estava lá, interrompida a meio, muito ténue nesse pequeno troço. Olho novamente o horizonte e esboço um sorriso.

sábado, outubro 09, 2004

 

 

Ser pai?


pat & tom curren Posted by Hello

Aqui vai mais um post dos antigos, daqueles que se encontram no blog antigo, data: 19 de Março de 2004 - dia do Pai!!

(legenda: pat e tom curren, respectivamente pai surfista, e seu filho, aquele que anos mais tarde se viria a tornar campeão mundial e uma das lendas do surf mundial!)

Hoje é dia do Pai. Como sempre, e em qualquer dia do Pai, as televisões não deixaram passar em claro a ocasião. Estava eu sentado no meu sofá da sala quando uma reportagem muito a condizer, vem mostrar o que é ser Pai.

Eis então, que dei comigo a pensar, já meio absorto e distante do ecrã, de como será ter um filho(a) nos braços, pela primeira vez? Tentei imaginar-me, porque eu adorava ter filhos, educá-los e protegê-los, ouvi-los dizer Pai, vê-los crescer e um dia poder dizer que algo de mim perdurará. Tentei... tentei imaginar-me e vi, nos meus pensamentos, um homem, nervoso, com uma tremura nas mãos, dando cada passo com extremo cuidado, olhar a enfermeira que carregava a sua cria nos braços. Vi um homem amedrontado mas sorridente, com um brilhozinho no olhar, um brilho que nunca antes se lhe havia visto, carregar aquele frágil ser, tentando transformar os seus braços em algodão, com extremo medo de magoar o seu filho. Vi aquele homem, já com a sua cria nos braços, olhá-la, abstraindo-se completamente do mundo, e em silêncio, contemplar o resultado dum amor, duma relação entre duas pessoas, de algo magico que havia sido fonte de vida. Vi-o então, sorrir olhando aquela face alva e fragil e... chorar. Lágrimas de alegria por um dia poder ser chamado de Pai.

É assim que eu imagino, o que será ser Pai.


domingo, outubro 03, 2004

 

 

Lembranças



Lembro-me bem daqueles dias perdidos no baú da minha memória, do meu passado não demasiadamente longínquo, em que eu, menino de tenra idade, acompanhava meus pais à praia mais próxima, a Comporta, a 120km de Évora, minha cidade natal.

Lembro-me bem do medo das espumas que vinham furiosas direito a mim, enquanto a minha mãe me segurava pelo braço e me dizia para não ter medo, lembro-me de detestar a nudez imposta por minha mãe aquando das minhas brincadeiras pela areia, lembro-me tão bem da juventude estampada na cara dos meus pais, lembro-me melhor que tudo, do sentimento de saudade em cada fim de tarde, quando tinha de abandonar o pôr do sol atrás de mim e rumar de volta a Évora. E lembro-me como se fosse hoje desse sentimento de bem estar e contentamento que aquele mar me despertava, o mesmo sentimento que hoje ainda desperta em meu coração.

Anos mais tarde, e depois de dez dias a viver em Peniche, descobri o surf, tinha 13 anos, não o descobri activamente, pois só 4 anos depois o experimentei, em Odeceixe, numa prancha Semente shapada pelo Picos, comprada em Évora (!!!!!), em segunda mão (pelo menos!!). Mas a partir daquele momento o surf passou a fazer parte da minha vida, no ínicio vestia-se de mania juvenil, transformando-se, com o passar dos anos, numa paixão crónica, compreendida e respeitada por todos quanto hoje me rodeiam, principalmente os meus pais que naqueles primeiros Verões me mostraram a plenitude do mar e que hoje são os primeiros a compreender este meu fascínio pelas ondas, pelo mar, pelo surf.

Pois é, coisas da vida, pequenos acasos que moldaram aquilo que hoje sou, a vida em função de uma variável: surf. Hoje, com 21 primaveras, longe do mar, continuo a ter a minha alma impregnada desse apaixonado desígnio que é o rasgar ondas, a prancha ainda é a mesma e a vontade cada vez maior, as deslocações ao mar, principalmente no inverno, são difíceis, mas existem, ainda que solitárias e sempre que há alguns euros para a gasolina. E cá vou andando, passo a passo, e de vez em quando, de braçada em braçada, por que a próxima onda pode estar ali, mesmo diante dos nossos olhos, só há que apanhá-la.

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