sábado, novembro 27, 2004

 

 

O dia de amanhã!!


Posted by Hello


Um dia, depois da partida, chego a um local como este. Sinto-me livre, o vento, uma leve brisa vinda do mar, conforta o meu espirito, num bailado informal de sentimentos que convergiam para a sensação do sonho. Estacionei o carro, o sol tornava-se cego, deixando atrás de si os tons habituais de fogo que tingiam o céu, antes azul, e lhe davam aquela magia crepuscular. Saborosa, relaxante, simplesmente convidativa à paz.

Pego na minha prancha, ao longe, já só vultos avistava, em contra-luz - negro absorvendo o laranja fogo vindo dos céus. Entro na água, o mar estava ordenado e calmo, as ondas não eram grandes e vinham bem preguiçosas, bucólicas, talvez o mar estivesse já cansado de tanto funcionar o dia inteiro. A noite apressava-se a reclamar a sua parte no normal desenrolar do tempo. E eu ali, remando no mar calmo, a sensação de paz e tranquilidade eram absolutas, o meu estar era cintilante e a aura que me envolvia parecia rejuvenescida. O meu amor era eterno, o harmonizar do meu corpo com o ambiente que me envolvia era um processo instantâneo e a minha luta por uma onda, uma tarefa árdua mas inigualavelmente purificadora. Sentia-me o rei da minha felicidade sentado no trono da minha existência. Olho mais uma vez o sol, restava um laivo apenas, a escuridão aproximava-se... saí de cena.

Amanhã era um novo dia...

Acordei deste meu pensamento, absorto o suficiente para sonhar acordado, com um sorriso nos lábios enquanto contemplava aquele sol baixando no horizonte e mergulhando no mar profundo. E eu ali melancólico, sonhando com aquele dia, um pouco perdido nos meandros do incógnito caminho da vida, sentado na minha cadeira de rodas, libertando a minha mente em mais um nostálgico sonho de criança.

Talvez o sonho seja o alimento dos corajosos, daqueles que pensam sempre em enfrentar o árduo caminho da fé, da fé no "novo dia que será amanhã", daqueles que por mais razões que tenham para não acreditar, continuam a lutar diariamente. Porque nunca se sabe o que será o dia de amanhã!!


sábado, novembro 13, 2004

 

 

No mar revolto, o surf tornou-se vida


Posted by Hello

Foi na água mais calma que o homem se afogou.(provérbio africano retirado do livro Um Rio chamado Tempo, Uma casa chamada terra - Mia Couto)



A vida é uma daquelas coisas que todos temos como dádiva, e que todos esperamos nunca deturpar com névoas entrincheiradas numa vala de monotonia aguda, a qual um dia poderemos no leito da morte, recusar como válida, e chorar por nunca termos sentado numa árvore e lineado momentos de perfeita harmonia com o universo.

Frente a um espelho qualquer alma se sente no direito de ser uma única fonte de energia pronta a fazer do mundo um local em simbiose intensa com o acto de estar. Mas a maioria cai, cai num buraco negro cósmico, assente numa realidade diária, superficial, restrita a fazedores de sonhos, e meticulosamente agarrada a uma panóplia de mecanizações produtoras de energia, energia gasta num inerte sistema de sobrevivência.

Sobrevivência - é isso que a maioria tem como sentido de vida.

E o mundo gira, os sobreviventes alimentam a grande máquina que faz o mundo rodopiar frenéticamente, incapazes de se auto determinarem e sentirem a verdadeira essência da Criação, da Existência - o porquê da vida. Perdemos muito tempo a olhar para o imensamente grande, ou imensamente pequeno, tornamo-nos mesquinhos, megalómanos, pseudo-altruistas sem pingo de amor, acorrentamo-nos ao infimo designio de um monstro sagrado, e sentimo-nos como se a maior das felicidades nos tivesse alimentado os bolsos.

A busca por momentos de sublimação fisica e espiritual, os extremos cantos da vivência diária, não são coisas que o comum dos mortais procure ou alcance facilmente, a livre circulação de sensações, a transformação lenta em sentimento, o amor, o sorriso feliz e a harmonia sincera com o que nos rodeia, não é uma imagem simples que é por vezes substituida por cenários de papel alimentando uma ilusão, ilusão essa que nunca pode ser mais do que um animal ferido, moribundo caído em areia movediça, calma, inquietante, traiçoeira e fatal.

E na água mais calma, o ser sobrevivente um dia colapsa, nem que seja no fim da sua existência, o colapso dá-se na constatação da insignificante linha que traçou um caminho inutil neste mundo. A felicidade não se alcançou, foi antes uma ilusão, e a monotonia vingou sobre a harmonia. Então o homem se afoga.

É traçando o nosso mapa, aquele mapa em branco que se escreve à medida que o tempo nos destila a existência, que um dia podemos morrer sorrindo e olhando os pássaros voar sabendo que em tempos também voámos. Traçar esse mapa é tarefa que tem como inata, a dificuldade inerente à tendência humana para a automatização e consequente monotonia. Traçar esse mapa é libertação, mental, física, espiritual... é deixar o coração fluir e sentir o verdadeiro apelo da vida.

Surfar uma onda, é por isso um acto em mar revolto, mais um traço no mapa rendilhado de linhas, amor ao mar, à vida, a nós próprios e aos nossos designios. É a harmonia com a ambiência, é viver intensamente o segundo a segundo de cada particula de água dinamizada pelas forças universais da Natureza, como muitos outros modos de vida, o surf é isso... não afogar no simples, no calmo e fácil. É antes de mais, em mar revolto Viver.


sábado, novembro 06, 2004

 

 

Guerreiros das Ondas


peahi Posted by Hello

Ao olharmos este tipo de imagens, ficamos sempre com um nó na garganta. Afinal, quem será tão absurdamente insensato para colocar em risco a sua vida domando monstros destes? Mas o sentido desta pergunta é mais correcto se contextualizarmos a mesma, no quem e menos no porquê. Porquê tentar domar estas montanhas de água? Não é só pelo dinheiro que a Billabong oferece à maior onda surfada em dada temporada, não é só o reconhecimento pessoal de alguém que tem "um grande par de tomates", não é ego, não é nada disto... e no fundo é isto tudo. Mas a verdade, é que este fenómeno chamado de tow-in, ou em bom português "surf a reboque", não tem um porquê de ser, racional, de facil compreensão, é no fundo o mesmo porquê inerente a qualquer actividade de risco que na sua essência, o surf por si só já o é - testar os limites da condição humana, em qualquer cenário. Inúmeros exemplos existem, mas não vale a pena sequer enúmera-los, daria inevitávelmente uma lista interminável! Não compreendemos o que nos leva a desafiar o perigo, qual o prazer que isso nos transmite, custamos a perceber o porquê de actos extremos, tudo isto inserido num contexto psicológico mais do que fisiológico pois a esse nível sabemos que todas estas actividades nos aumentam a adrenalida e o ego, mas isso é sabido e mais do que explorado... para a questão fundamental, ninguém tem a resposta! Será sempre uma questão mais metafísica, pois surfar uma onda destas, certamente, não será uma experiência meramente física, muito mais do que isso - espiritual, eu acredito, e por essa razão ultrapassa a compreensão que podemos tentar ter dela.


laird hamilton em teahupoo Posted by Hello

O que faz Laird Hamilton, rebentar as escalas, e surfar este monstro, que apesar de pequeno quando comparado com as bombas de trinta metros de Cortez Bank ou de Jaws, mas incrivelmente pesado, profundo, majestoso... certamente que quem olhe esta foto terá a mesma sensação de aterro que teria ao imaginar o resultado de um wipe-out numa montanha de Jaws (na primeira foto). Certamente todos percebemos que o resultado de um resvalo nesta onda, será sempre uma experiência arrepiante e potencialmente fatal! O que faz Ken Bradshaw dropar a maior onda surfada (pelo menos oficialmente) até hoje no famoso dia 28 de Janeiro de 1998, em Outside Log Cabins, Hawaii - 85 pés? Num dia denomidado pela protecção civíl hawaiana de "Condition Black" - praias interditas com todo e qualquer tipo de acesso à água proibido, o grande sonho e ao mesmo tempo o grande pesadelo de qualquer surfista de ondas grandes. Estes dois homens, tal como outros na mesma actividade de risco (Taylor Knox, Peter Mel, Brock Little, Flea, Ross Clark Jones, etc), são pessoas que vivem experiências únicas, que poucos podem alcançar, mas que no fundo, qualquer um de nós, se um dia podesse absorver as sensações e sentimentos certamente únicos, de estar dentro de uma onda destas, daria tudo para poder viver tal experiência. Por isso "quem" o faz, fá-lo simplesmente, faz o que para muitos parece insensato, loucura e que nos faz perguntar "porquê", mas é apenas e só uma busca por sensações diferentes, mágicas e que não podemos classificar através dos nossos padrões físicos e temporais. Por isso, porque o fazem? Pode haver muitas explicações... quem o faz? Poucos, mas certamente é para eles a melhor actividade do mundo.

A realização é pessoal, totalmente individual e incomparável!


teahupoo Posted by Hello

 

 

liberdade


Posted by Hello

Aqui nesta praia onde

Não há nenhum vestígio de impureza,

Aqui onde há somente

Ondas tombando ininterruptamente,

Puro espaço e lúcida unidade,

Aqui o tempo apaixonadamente

Encontra a própria liberdade.




- Sophia de Mello Breyner Andresen.


 

 

Surfista do Morro


Posted by Hello

Descendo do morro, sorriso no rosto
A prancha no braço, a pressa no passo
Queimando descalço no sol carioca
Pisando no asfalto, driblando o cansaço

Se benze na água e sente seu gosto
Conversa com as ondas e busca um espaço
Sortudo descobre um buraco e se entoca
No tubo recebe de Deus um abraço

No grito abafado que sai do canudo
Mantendo o equilibrio e pisando tudo
Na prancha barata quebrada no bico
Nascendo e vibrando se sente o mais rico

Surfista do morro, saindo do mar
Voltando para casa, saindo do lar
Andando nos becos, subindo a escada
De cabelos secos e alma lavada.

- Gabriel O Pensador - 12/1/98

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