quarta-feira, setembro 15, 2004

 

 

O Sorriso



Uma leve brisa esbarrava na minha face contornando-a e seguindo o seu caminho. O meu corpo assimilava alguma dessa brisa, que tinha aquele aroma reconfortante e relaxante do mar, aquele mar de verão, onde o sol se banha nos fins de tarde. Essa brisa quente, que não se detinha no meu corpo e sim na falésia atrás de mim, trazia a história, contada ao meu ouvido, de cada onda que se abatia naquele fundo de areia fina e branca, onde algumas rochas se intrometiam e despontavam ao sabor das marés, desafiando a audácia de cada um daqueles seres que adoravam recrear-se nas ondas.

Pois eu sentia toda a simplicidade de um olhar sobre aquele sol bem cor de laranja, que pintava o céu de várias cores, enquanto lentamente se dirigia ao seu banho no oceano imenso. Um olhar simples, mas que se revestia sempre, e a cada segundo que passava, de um sentimento de alegria e satisfação, próprios de quem tinha acabado de sair de dentro do mundo liquido e salgado, do qual a brisa muitas histórias contava.

Passava a língua pelos meus lábios, e o sabor acre daquela água, trazia ao meu pensamento o sabor dos sonhos, sempre impregnados de mar. O sol já em declínio efémero, transformava corpos nítidos em vultos negros rasgando superfícies encrespadas de mar. Eu deliciava-me agora a olhar para aqueles com quem ainda há poucos minutos me confundia dentro de água.

Absorto nesta penumbra calma e acolhedora, assoma-se a mim, aquele sorriso familiar que me enchia a alma de alegria, aquela minha segunda vida que corria em minha direcção rindo infantilmente, excitada e feliz, descalça sobre a areia molhada buscando a imagem estática de seu pai. Ela, aquele pedaço de mim, feminino, frágil, uma boneca de porcelana que defendia com a vida e com a morte, ela que estava na aurora da vida, aquela figura pequenina, que com a sua voz aguda, de criança, reconfortava o meu coração de forma absoluta. A minha pequenina, que de sorriso largo nos lábios vinha do seu contacto simbiotico com o mar, a génese do seu ser, que tinha algo de mim, tinha também esta essência do surf, do mar em si. Ainda bem jovem, já tinha os seus maiores momentos de felicidade ali dentro, daquele a quem chamava mar, sua progenitora atrás de si escoltando a sua fragilidade, olhando pela sua cria.

E eu ali, vendo a minha filha, feliz, correndo em direcção a seu pai, com sua mãe atenta e feliz por cada gargalhada inocente da filha. A sua primeira onda, pela primeira vez havia colocado os seus pés encima da prancha e havia rasgado a sua pequena onda. Era esse o motivo do seu largo sorriso, do seu e de sua mãe.

Sua mãe, aquela a quem me havia unido para gerar a bonita flor que sorria à minha frente, o meu amor concentrado nestas duas flores de primavera, perfumadas pela mais bela das essências. As duas razões da minha existência, e tudo tinha começado ali, naquele mesmo local, naquela mesma praia rodeada por íngremes falésias, embebidos no mesmo mar, numa noite quente infiltrada entre as páginas da minha vida.

Naquela noite, o meu amor, aquela mulher a quem meu coração havia reservado todo o seu espaço, fundiu-se comigo e gerou mais uma alma feminina a quem meu coração teria de reservar mais um lugar. Naquela areia húmida, à luz daquela lua que iluminava meio mundo e incendiava nossos corpos abençoados pelo mar que os envolvia, fizemos amor, amor esse que gerou o fruto que hoje me sorri, que hoje foi feliz na sua primeira onda. E assim, seu ventre carregou durante aqueles meses o fruto do nosso amor, a razão de nossas existências. Continuou bonita ela, a mãe e sua filha gerando em seu ventre.

Aquela face alva e bonita lembrando claramente a sua progenitora quando nosso olhar se fixava em seus olhos claros, era ela a minha menina, ela o fruto de uma união entre duas almas. E pensar que toda a minha vida começara ali, no mesmo mar e na mesma terra onde hoje eu sorria, onde no passado eu sorrira, surfara , amara e gerara uma nova vida.




Comments:
O bom é poder saber que a magia do surf realmente atravessa continentes. Seja em ondas, campeonatos ou palavras. Parabéns pelo blog.
Aloha.

www.soul_surfer.blogger.com.br
 
é verdade meu amigo, é verdade! as palavras por vezes são a unica forma de surfar para além do nosso cantinho!! obrigado pela visita. volta smp
 
Gostei do texto e do teu novo blog. Parabéns e continua a aparecer!
http://sunshine.blogs.sapo.pt/
http://pequenitos.blogs.sapo.pt/
 
Quando vieres para os lados do Guincho, apita. Estou la sempre...
 
Parabéns Custoias! Curti este teu novo espaço! Visualmente mto bom! Continua. Abraço - Lewton
 
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