sábado, novembro 13, 2004

 

 

No mar revolto, o surf tornou-se vida


Posted by Hello

Foi na água mais calma que o homem se afogou.(provérbio africano retirado do livro Um Rio chamado Tempo, Uma casa chamada terra - Mia Couto)



A vida é uma daquelas coisas que todos temos como dádiva, e que todos esperamos nunca deturpar com névoas entrincheiradas numa vala de monotonia aguda, a qual um dia poderemos no leito da morte, recusar como válida, e chorar por nunca termos sentado numa árvore e lineado momentos de perfeita harmonia com o universo.

Frente a um espelho qualquer alma se sente no direito de ser uma única fonte de energia pronta a fazer do mundo um local em simbiose intensa com o acto de estar. Mas a maioria cai, cai num buraco negro cósmico, assente numa realidade diária, superficial, restrita a fazedores de sonhos, e meticulosamente agarrada a uma panóplia de mecanizações produtoras de energia, energia gasta num inerte sistema de sobrevivência.

Sobrevivência - é isso que a maioria tem como sentido de vida.

E o mundo gira, os sobreviventes alimentam a grande máquina que faz o mundo rodopiar frenéticamente, incapazes de se auto determinarem e sentirem a verdadeira essência da Criação, da Existência - o porquê da vida. Perdemos muito tempo a olhar para o imensamente grande, ou imensamente pequeno, tornamo-nos mesquinhos, megalómanos, pseudo-altruistas sem pingo de amor, acorrentamo-nos ao infimo designio de um monstro sagrado, e sentimo-nos como se a maior das felicidades nos tivesse alimentado os bolsos.

A busca por momentos de sublimação fisica e espiritual, os extremos cantos da vivência diária, não são coisas que o comum dos mortais procure ou alcance facilmente, a livre circulação de sensações, a transformação lenta em sentimento, o amor, o sorriso feliz e a harmonia sincera com o que nos rodeia, não é uma imagem simples que é por vezes substituida por cenários de papel alimentando uma ilusão, ilusão essa que nunca pode ser mais do que um animal ferido, moribundo caído em areia movediça, calma, inquietante, traiçoeira e fatal.

E na água mais calma, o ser sobrevivente um dia colapsa, nem que seja no fim da sua existência, o colapso dá-se na constatação da insignificante linha que traçou um caminho inutil neste mundo. A felicidade não se alcançou, foi antes uma ilusão, e a monotonia vingou sobre a harmonia. Então o homem se afoga.

É traçando o nosso mapa, aquele mapa em branco que se escreve à medida que o tempo nos destila a existência, que um dia podemos morrer sorrindo e olhando os pássaros voar sabendo que em tempos também voámos. Traçar esse mapa é tarefa que tem como inata, a dificuldade inerente à tendência humana para a automatização e consequente monotonia. Traçar esse mapa é libertação, mental, física, espiritual... é deixar o coração fluir e sentir o verdadeiro apelo da vida.

Surfar uma onda, é por isso um acto em mar revolto, mais um traço no mapa rendilhado de linhas, amor ao mar, à vida, a nós próprios e aos nossos designios. É a harmonia com a ambiência, é viver intensamente o segundo a segundo de cada particula de água dinamizada pelas forças universais da Natureza, como muitos outros modos de vida, o surf é isso... não afogar no simples, no calmo e fácil. É antes de mais, em mar revolto Viver.

Comments:
Sábias palavras. Belos textos.

Namastê.
 
olá, chamo-me Margarida, n deves saber quem sou, costumava ver o teu outro blog e agora encontrei este, muiiito tempo depois. =|
pensava que tinhas acabado com o blog mas afinal já tás aqui há 3 meses...lol! agora n tenho muito tempo para ler os teus textos, mas dp passo cá para ver melhor e com mais atenção :) bjs *good to see you again*
 
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